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São Paulo, SP, Brazil
O autor é médico (Faculdade de Medicina da USP, FMUSP), especializado em Psiquiatria (H. das Clínicas da FMUSP), doutor em Filosofia (EHESS, Paris) com pós-doutorado em Ciências Cognitivas (PUC-SP). Clinica em consultório particular desde 1993.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Uso correto — ético, como medicamento — dos antidepressivos.








Antidepressivos podem salvar suicidas ou aumentar seu risco.

Vimos nos posts anteriores como os antidepressivos e outros medicamentos inserem-se no capitalismo dos dias de hoje, enquanto produtos a serem marketados a médicos e pacientes. Este último post da série “antidepressivos” é dedicado ao uso que o médico ideal faz dos antidepressivos, enquanto medicamentos integrando um tratamento abrangente. É um uso que se quer ético e correto, ou seja, no máximo benefício do paciente.
Os antidepressivos — associados ou não a outros fármacos psicotrópicos — devem ser prescritos por psiquiatras ou médicos generalistas com experiência, desde que se chegue ao diagnóstico de um transtorno ansioso-depressivo, para os quais os antidepressivos são indicados, frequentemente como base do tratamento. Já outros especialistas utilizam antidepressivos para indicações não psiquiátricas (incontinências urinárias, dores crônicas, certas enxaquecas, sintomas perimenstruais ou menopausais, ejaculação precoce, problemas gastrointestinais e outros).
As indicações psiquiátricas dos antidepressivos são basicamente os transtornos ansiosos e depressivos ou TADs. Esta sigla abarca depressões mais e menos graves ou crônicas, estados de ansiedade contínua ou em crises (como o pânico), hipocondrias, fobias variadas, transtornos obsessivo compulsivos (TOC), bem como somatizações, tais como diarreias ou vertigens.
Nos TADs, é importante que antidepressivos integrem-se, sempre que possível, a um tratamento do aspecto psicológico da pessoa, a chamada psicoterapia, bem como a orientações sobre ritmos e tipos de atividades, repousos, cuidados com estresses e com um estilo de vida favorável. Um tratamento típico abarca assim um seguimento contínuo, de semanal a bimestral, por períodos que vão de vários meses a 1 ou 2 anos, dependendo da apresentação ansioso-depressiva de cada caso, sua gravidade, cronicidade e suas variáveis individuais.
Todavia, a maioria das receitas de antidepressivos, como aconteceu com os calmantes “tarja preta” desde os anos 60, não se insere no contexto do tratamento ideal descrito acima, mas provém de uma amostra grátis dada pela ginecologista por achar a paciente estressada, ou de uma prescrição sem anamnese psiquiátrica ou seguimento, do último antidepressivo lançado do mercado, casualmente lido em uma propaganda na revista de cardiologia. Na vida real, é frequente o uso de doses inadequadas, sem monitoramento e orientação médica devida ao paciente. Assim ouve-se de muita gente que os remédios “não funcionam” ou “me fizeram super-mal”.
Não obstante, mesmo o médico generalista pode prescrever antidepressivos, dada a importância da relação médico-paciente na melhor evolução dos transtornos ansioso-depressivos e à boa margem de segurança dos fármacos atuais. Neste espírito, é melhor o médico de família que conhece bem o paciente conduzir um tratamento com antidepressivos, em casos menos graves, do que o psiquiatra apressado e desinteressado do “convênio” e/ou aquele que só faz diagnósticos baseado em lista de sintomas e só prescreve seguindo um fluxograma protocolar, sem chegar a ouvir a pessoa em situação de grande mal estar psicológico, por vezes em desespero ou vergonha.
Vimos que o psiquiatra ideal utiliza antidepressivos em um tratamento integrado — psicoterapêutico e de medidas e orientações pró-saúde — e obtém melhoras vigorosas também em pacientes com somatizações encaminhados por outros especialistas, por exemplo, em situações de dores e queixas gastrointestinais, infecções de repetição, sintomas vertiginosos e quedas de memória, formigamentos, faltas de ar asmáticas e não asmáticas. O psiquiatra pode ser assim o melhor médico para aquele paciente que já percorreu vários colegas e que já recebeu diagnósticos e tratamentos questionáveis, por exemplo, para “fibromialgia”, “labirintite”, ou “estresse”.
Antidepressivos devem ser prescritos após cuidadosa avaliação diagnóstica multifatorial (diagnóstico psiquiátrico, clínico-geral, de personalidade, de uso de substâncias, de risco suicida, etc.). Ainda que exista hoje um exame de DNA que pode ajudar, não se sabe a priori que paciente responde melhor a qual medicamento.
Devem ser considerados efeitos terapêuticos e colaterais em tratamentos anteriores do paciente e familiares, doenças concomitantes (co-morbidade), sintomas proeminentes (p. ex. insônia, queixas dolorosas), perfil global (p. ex. sobrepeso, cardiopatia, tendência a obstipação intestinal, repertório cultural do paciente, tendência a vício em drogas ou medicamentos, outros medicamentos ou substâncias em uso, custos, etc.).
O tratamento compreende 3 fases, introdução, manutenção e retirada. Escolhido um fármaco, sua introdução deve ser feita em doses em geral abaixo da dose diária média, lentamente elevadas ao patamar necessário ao melhor balanço entre efeito terapêutico e risco ou efeitos colaterais. Podem ser necessárias substituições ou complementações por outros fármacos, desde que com critério e monitoramento constante. Quando o paciente melhorou como esperado, vem a fase de manutenção do tratamento, de 6 meses a um ano e a seguir a da retirada da medicação, em geral com uma redução gradual de doses.
Na fase de introdução, dada a latência de resposta inicial dos antidepressivos (1–3 semanas) e da resposta plena (pode ser de meses), medicamentos sintomáticos, tais como calmantes “tarja preta”, soníferos ou outros podem ser necessários. Idealmente os medicamentos sintomáticos devem ser mantidos pelo mínimo tempo possível; espera-se que vários sintomas do paciente sejam resolvidos com o tratamento antidepressivo de base.
Assim os antidepressivos convencionais podem efetivamente ajudar pessoas, integrando medidas psicoterápicas e outras, em doses cautelosamente elevadas ou diminuídas por meses ou anos. São também considerados estressores psicossociais e os timings de cada caso; tudo isto requer monitoramento contínuo, numa relação médico-paciente cuidadosamente tecida.
Fora destes contextos, os antidepressivos podem ser prejudiciais ou pouco efetivos. Veja a publicidade médica dos anos 90: Prozac; prescreva O bem estar ao seu paciente, dose única de 20 mg ao dia desde o início”. Quem não gostaria dO bem estar, em apenas uma única receita de rápido preenchimento?

Nem todos gostam do filme, baseado em uma história real.
Nem todos gostam do filme, baseado em uma história real.
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